segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Povos indígenas re-colonizam o país, afirma Ailton Krenak

Ao participar da Feira do Livro Indígena de Mato Grosso (Flimt), em Cuiabá, Ailton Krenak mostrou conteúdo, respeitabilidade que goza entre as diversas nações e poder de articulação com as demais culturas do mundo ocidental. Ele participou de debate sobre o tema Movimento indígena e educação. Sua reflexão foi apresentada no Caxiri Literário, realizado no dia 8 de outubro, no centro da capital.

Antonio Carlos Ribeiro
Cuiabá, terça-feira, 13 de outubro de 2009


O debate foi mediado por Daniel Munduruku, presidente do Núcleo de Escritores e Artistas Indígenas (Nearin), que apresentou o cacique Estevão Taukane, do Mato Grosso, e o pajé Álvaro Tukano, do Amazonas, como lideranças combativas que estudaram, enfrentaram o regime militar dos anos 70, acumularam sabedoria histórica e tornaram-se referências para as novas gerações indígenas.

“O Brasil é um espaço de encontro, reconhecido mundialmente por sua diversidade cultural e étnica”, começou Krenak, ao elogiar a estrutura arquitetônica montada em madeira e plástico tomando toda a Praça da República e arredores, que proporcionou um “ambiente agradável, em contato com a natureza e sem as dificuldades que nós, indígenas, temos de estar num auditório fechado”, observou.

Ao lado dessa percepção do efeito arquitetônico na estética do evento, Krenak mostrou-se alegre ao perceber como “os povos indígenas estão se apropriando dos recursos plurais, usando diversas tecnologias”, que ele vê como condizentes com os tempos atuais, sem perder de vista as imagens fundamentais que encantam a mística, a poesia, a ética e a estética indígenas: “os rios, as montanhas, as florestas e os vales, que são o nosso pano de fundo do mundo”.

O líder indígena mostrou como a caminhada antropológica das culturas indígenas é rebuscada nas histórias dos antepassados, “nas quais aprendemos nossa relação com o mundo. Daí trouxemos nossa história e os mitos da nossa cosmogonia, que buscamos em elementos como a água, o vento, o fogo, o sol, a lua e as estrelas”. O mergulho nesses elementos, explicou, “encontramos em nossa memória, que tem sido o roteiro da nossa vida”.

A leitura histórico-filosófica de Ailton Krenak chega à história republicana brasileira recente falando da sociedade em que “nos anos 70, o regime pretendia fundir as culturas indígenas, acabando com nossas especificidades e a diversidade das nossas culturas. Tivemos que lutar muito para que nossos campos sagrados não fossem transformados em área de plantio de soja e nem em complexos de produção industrial. Essa cultura ocidental, empresarial e militar imaginava que iríamos desaparecer em 30 anos, mas nós ainda estamos aqui”, bradou, sendo aplaudido pelo auditório.

Krenak frisou que povos indígenas estão fazendo “uma espécie de re-colonização do Brasil, através dos artistas, dos escritores, dos historiadores e dos educadores indígenas”. E agregou: “Nossas culturas já perceberam que a educação das crianças e o relacionamento com os velhos são fundamentais para serem perpetuadas”.

O líder que viajou o mundo para falar da cultura indígena, das línguas e dos costumes, mencionou um sábio indígena que viveu um período num centro urbano para compreender a cultura branca e constatou que “essas pessoas têm abandonado os velhos e as crianças e passado a cuidar de cachorrinhos!” Ao ver isso, constatou “porque a cultura indígena já tinha compreendido que só subsiste se nutrir o amor pelos filhos, pelos pais e avós!”

Ele saudou a riqueza religiosa e cultural dos pajés, a sabedoria dos anciãos e o senso de decisão dos chefes que têm sido resgatados na literatura indígena, “especialmente a literatura infanto-juvenil, da qual nosso grande representante é Daniel Munduruku, seguido de diversos outros autores, dos muitos povos”. Essa produção literária, que “se desenvolveu nos últimos 20 anos, tem a maior parte de seus autores vivos e já aprendeu a dialogar, mesmo sendo jovem”, destacou.

“A força dessas culturas, presentes em eventos como esse, tem a capacidade de ligar o fluxo da memória, a criatividade e a linguagem, expressando esse sentimento”, avaliou. “Para nós, indígenas, é mais fácil fazer arte, imagino, do que para os brancos. É só se deixar levar pelos sentimentos. E é esse sentimento que propicia a transmissão do conhecimento, a busca de novas práticas pedagógicas e a interação com as culturas e os povos, sem deixar de ser quem somos”.

FONTE: http://www.alcnoticias.org/interior.php?codigo=15195&lang=689

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